quarta-feira, 14 de maio de 2008

Reciclar papel pode ter impacto negativo para o meio ambiente

Estudo mostra que produção do papel reciclado pode gerar até seis vezes mais efluentes que a do papel branco

Andrea Vialli


O uso de papel reciclado para imprimir e escrever pode não ser tão bom para o meio ambiente como se imagina. A indústria está colocando em dúvida se a moda do papel reciclado - cujo consumo cresce a taxas de 20% ao ano - está ajudando a reduzir impactos ambientais ou se é apenas uma ferramenta de marketing para as empresas.
Não há evidências que comprovem, com segurança, que o papel reciclado traz menos impactos para o meio ambiente do que o papel branco, segundo os produtores de papel e celulose. Um estudo realizado pela Esalq-USP, baseado na literatura técnica sobre reciclagem de papéis, mostra que a produção de papel 100% reciclado para imprimir e escrever pode gerar um volume de efluentes até seis vezes maior que o papel branco.
Segundo o mesmo estudo, o processo de preparação das aparas para produção de papéis reciclados destinados à impressão e escrita pode levar a um consumo adicional de energia elétrica de até 750 kWh/t, consumo que não ocorre na fabricação do papel branco.
"O processo de fabricação do papel reciclado consome mais água, mais produtos químicos e mais energia elétrica do que o papel branco. Isso porque a fibra reciclada passa por uma etapa a mais de clareamento, para eliminar impurezas, que não existe na produção do papel branco", afirma Antônio Gimenez, gerente da área de Negócios de Impressão e Conversão da International Paper (IP).
Em média, apenas 25% do papel utilizado para compor o reciclado é pós-consumo, oriundo de cooperativas de catadores. Outros 75% vêm de aparas resultantes do processo produtivo das fábricas, e que comumente voltam ao processo produtivo. No Brasil, 100% do papel produzido vem de florestas plantadas. "É um mito dizer que o papel reciclado salva árvores, pois aqui elas já são cultivadas e para esse fim ", diz Gimenez. A empresa produz em torno de 25 mil toneladas de papel reciclado por ano, em torno de 5% de sua produção total de papel.
"Sustentabilidade na produção de papel é ter perdas mínimas no processo de fabricação, mais do que reciclar as aparas", diz Humberto Cinque, gerente de sustentabilidade da Votorantim Celulose e Papel (VCP). Segundo ele, mais do que 3% de perda no processo é considerado desperdício.
De acordo com Gustavo Couto, gerente de marketing da Suzano Papel e Celulose, primeira papeleira a produzir reciclado em escala industrial, ambos os papéis podem coexistir no mercado. "A escolha do consumidor pode ser tanto em torno de um papel que retira gás carbônico da atmosfera, com o plantio de árvores para sua produção, e o papel que ajuda a gerar renda para os catadores, com um foco mais social", diz. Segundo ele, para fazer uma escolha consciente o consumidor deve ficar atento ao selo verde - certificações como o FSC e Cerflor, que atestam o bom manejo das florestas plantadas e respeito às leis trabalhistas - do que se o papel é branco ou reciclado.
DEMANDA
De acordo com Sonia Chapman, diretora presidente da Fundação Espaço Eco, entidade que presta consultoria em análise de ecoeficiência para indústrias de diferentes segmentos, as duas categorias de papel cumprem sua função. "O importante é o uso racional da matéria-prima e energia", diz. Segundo ela, só produzir papel reciclado não é o caminho. "É a mesma discussão que se tem com os alimentos orgânicos. Se toda a população passar a comer orgânicos, não vai haver terras suficientes para produzir dessa maneira. Não há coleta de lixo urbano que permita só a produção do papel reciclado."
A reportagem procurou as ONGs de defesa do meio ambiente Greenpeace e WWF, mas elas informaram que não têm uma avaliação técnica sobre o uso de papel reciclado.
A demanda por papel reciclado tem crescido a taxas de 20% ao ano nos últimos seis anos. Com isso, a reciclagem de aparas aumentou em 60,6%. Como nem todo papel é recuperado, já está ocorrendo falta de aparas para finalidades que já consumiam aparas, como a fabricação de embalagens e de papéis sanitários. "A impressão em papel reciclado virou uma espécie de cartão de visitas da responsabilidade corporativa", diz Luís Fernando Madella, diretor de relações Institucionais da IP.
Ainda assim, está em análise na Câmara dos Deputados o projeto de Lei 2.308/07, que, se aprovado, obrigaria as editoras de livros didáticos a usar 30% de papel reciclado em suas publicações. "Não haveria como suprir essa demanda", diz Couto, da Suzano.

Estado de São Paulo - 07 de maio de 2008

8 comentários:

Anônimo disse...

Também não sou grande conhecedor do assunto, mas espero poder ajudar.

Pelo que eu entendo há prós e contras no consumo de papel reciclado, assim como no consumo de outros produtos tidos como ambientalmente corretos.
O papel reciclado consome mais energia e gera mais efluentes.
O primeiro ponto não mencionado na reportagem é que nossa energia é baseada em uma matriz majoritariamente hidrelétrica. Conversei esta semana com o Nelson Siffert (coincidência), chefe do departamento de energia do BNDES, e segundo ele, estamos vivendo hoje um momento em que finalmente temos 50% de capacidade ociosa em nosso sistema de energia, o que significa que, enquanto esta situação existir não utilizamos co-geração (termo elétricas). Segundo ele, nossa demanda futura está garantida pela projeção de novas usinas já aprovadas (corrigindo os erros que geraram os problemas de 2001 e 2002). Por outro lado, a não utilização do gás nas termoelétricas por causa da demanda regular (residencial / industrial), permite que este gás seja utilizado como combustível automotivo (a demanda do gás é hoje restrita, pelo menos até o campo da bacia de Santos entrar em operação). Mas o próprio uso de gás natural como combustível automotivo está sendo desestimulado em favor do álcool, cujo plantio tem crescido imensamente. Questiona-se se as áreas deste plantio não estão sendo utilizadas para este fim em detrimento a outras culturas alimentares de menor rentabilidade, como soja ou pecuária (eu passei por isto na Quilombo, onde eu trabalhava: trocamos gado por eucalipto no final das contas), que por sua vez acabam sendo "empurradas" para áreas da bacia amazônica e gerando desmatamento ilegal. Resumo: o problema é bem mais complexo que parece, uma vez que todas as açoes são correlacionadas gerando impactos positivos e negativos dependendo do setor.
Já que eu mencionei alimentação (e a reportagem também), vou deixar uma provocação. Eu não tenho opinião formada, gostaria até de levantar o tema para discussão. Se o mundo produzisse apenas alimentos naturais não transgênicos, sem uso de defensivos agrícolas (ditos pesticidas), não daríamos conta de alimentar o mundo. Isto se agrava se projetarmos o crescimento populacional e o consumo de alimentos para as próximas décadas. Sendo assim, o dilema fica entre suprir a humanidade com alimentação ou preservar a biodiversidade. Uma solução é a manutenção de "bibliotecas" de biodiversidade. Infelizmente eu não tenho conhecimento de nenhuma dessas "bibliotecas" que seja pública. Esta argumentação me foi dada pelo Marco Bochi, então diretor de Planejamento Estratégico AmLat da Syngenta...atual head da unidade de negócio de cana-de-açúcar mundial... Estou aberto pra discutir.
Quanto ao segundo ponto da produção de papel reciclável, a geração de mais efluentes. Fica um pouco vago argumentar, uma vez que não sabemos quais são os efluentes. A questão eu acho que é a possibilidade de tratamento desses efluentes: se eles forem de possível decomposição de curto prazo (sem geração de gases nocivos), o ciclo se fecha. Caso contrário, é preciso comparar com os efluentes gerados pelo processo regular de produção de papel. Caso a produção siga os padrões estabelecidos pela FSC (www.fsc.org), os impactos ao meio ambiente são minimizados. Agora mesmo que digamos que o papel produzido no Brasil vem de áreas de reflorestamento, acredito que devamos pensar globalmente. Isto é, Na cadeia de valor da madeira, temos 3 usos principais em ordem de "nobreza" (valor agregado): indústria de móveis, indústria de papel e celulose e indústria siderúrgica. A madeira que deixa de ser utilizada no Brasil para produção de papel ainda pode ser utilizada nas duas outras undústrias, dependendo de uma infinidade de fatores, mas resumindo-se ao preço de venda (competitividade da cadeia). E mesmo que não seja utilizado no Brasil nas outras cadeias, ainda pode ser exportado para uso em outros países, que não praticam reflorestamento, não têm autonomia de produção ambiental e não têm matrizes energéticas baseadas em meios renováveis (matriz limpa)..... De novo: o problema é complexo...

Pessoalmente, acredito que devemos dar o máximo uso aos produtos que o planeta nos dá. Isso significa reuso e reciclagem, isso faz com que exploremos o mínimo possível de novos recursos, minimizando a necessidade do planeta de gerar estes recursos... Isso tem a ver com a 2a. lei da termodinâmica pra quem conhece, mas aí eu acho que eu fui longe demais.

Paro por aqui.

Beijos e abraços a todos.

Anônimo disse...

Poxa, interessantíssimo este assunto. Gostaria de saber mais também a respeito. Na verdade é até meio bombástico saber que muita gente tá adotando papel reciclado por achar que é uma solução mais interessante, mas imagino que o impacto negativo (se for realmente verdade) será enorme visto o tamanho do consumo de papéis em bancos como o Banco Real.

Abraços,

Anônimo disse...

Poxa, interessantíssimo este assunto. Gostaria de saber mais também a respeito. Na verdade é até meio bombástico saber que muita gente tá adotando papel reciclado por achar que é uma solução mais interessante, mas imagino que o impacto negativo (se for realmente verdade) será enorme visto o tamanho do consumo de papéis em bancos como o Banco Real.

Abraços,

Anônimo disse...

Semana retrasada o prof. Vanderley John disse em aula que papéis reciclados utilizam corantes para ficar com cara de "saco de pão" (mas mais clarinho). O processo de clareamento das fibras, que o texto diz que o reciclado passa por duas etapas, sei que a primeira etapa utiliza soda cáustica, bastante tóxica, a segunda etapa, que elimina impurezas, não deve ser muito diferente.

Beijos,

Anônimo disse...

Há um certo tempo li um artigo (não lembro mais a autoria) cuja conclusão é que a melhor utilização para o papel reciclado no Brasil deveria ser para a fabricação de embalagens e tissues e não para imprimir e escrever, o que causa um impacto ambiental muito grande fazer a despigmentação
necessária.

Acho que é importante lembrar que diferente da Europa ou EUA, todo o
papel brasileiro é feito a partir de florestas plantadas e não de
florestas nativas. De qualquer forma, acho que o papel reciclado tem uma função muito mais social que ecológica.

A "moda" de papel reciclado fez com que o valor da apara de papel subisse de preço e aumentou a renda de quem trabalha com a coleta. Hoje falta aparas de papel reciclado e o custo está muito alto. Falta matéria prima para fazer o papel da moda "reciclado", por isso estas aberrações com corantes estão acontecendo...

Acho que é realmente um papo para uma grande discussão...

Anônimo disse...

Fora alguns pontos da reportagem que me deixaram meio "desconfiado" sobre a neutralidade do mesmo, recomendo a leitura do livro "Cradle-to-Cradle: Remaking the Way we Make Things". quem leu o livro sabe que a reutilizacao de papel e papelao eh apenas um "downcycling" e nao "recycling". O material perde as propriedades iniciais ao ser reutilizado, e por isso a necessidade de adicionar produtos quimicos, corantes e outros materiais, por muitas vezes injustificando-se a propria reutilizacao do mesmo...

A verdadeira reciclagem soh acontece quando o produto inicial eh criado com a intencao de ser reutilizado (de forma indefinida), seja como produto ou como insumo para outro produto.

Nao eh o caso do papel na sua versao atual (a partir de celulose).

link: http://www.amazon.com/Cradle-Remaking-Way-Make-Things/dp/0865475873/
(alias, o livro nao eh impresso em papel!)

Anônimo disse...
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Anônimo disse...

Seguem algumas considerações do Paulo Groke, engenheiro florestal, Gerente de Projetos Ambientais do Ecofuturo, um dos responsáveis pelo PIR - Programa Investimento Reciclável de apoio às cooperativas de catadores ... É uma opinião balisada pois, além do trabalho no Eco, o Groke acumula 18 anos de Suzano na área florestal e de meio ambiente.

Tentarei resumir:

Tecnicamente, a reciclagem de materiais não pode ser considerada a panacéia contra todos os males. Ela é apenas uma das ferramentas para a gestão dos resíduos sólidos produzidos pela sociedade contemporânea.
Para que tenhamos plana certeza da vantagem ambiental de reciclar algum material, é necessário que façamos uma Análise de Ciclo de Vida – ACV, que compare o que a produção de determinado bem e a sua reciclagem gera de economia energética, de recursos, etc. Ex: o que é melhor para o ambiente? Copinho descartável de plástico ou copinho de papel? Só uma ACV poderá nos dizer.
O que a matéria expôs é que a reciclagem de papel pode não ser tão benéfica ao ambiente como muitos imaginam. Isso é muito lógico: reciclar significa coletar aparas (gasto energético), limpá-las (gasto energético e geração de efluentes) e reprocessamento (gasto energético, água e geração de efluentes). Isso tem que ser comparado com a produção de papel feito com fibras virgens, que vem direto das árvores. Logo, neste aspecto, é possível que não haja ganho em reciclar.
Por outro lado, a reciclagem oferece oportunidade de geração de renda para uma parcela da população excluída pelo sistema econômico (os catadores). Além disso, como os materiais com possibilidade de reciclagem deixam de ir para os aterros, temos aí um duplo ganho: (1) aumento da vida útil dos aterros sanitários e (2) retorno ao sistema produtivo/econômico de matérias que iriam para o lixo, o que significa uma grande economia de recursos naturais não renováveis (bauxita, alumínio, petróleo, entre muitos outros).
Assim, para o caso do papel, cuja matéria prima é considerada renovável (plantações), o ganho social da reciclagem é evidente, o ambiental nem tanto.

Abraços.
Groke